A IA está imitando os mortos. Imortalidade digital? Assim a IA consegue

10 junho, 2024

  • Michael Bommer usa IA para criar sua versão digital.
  • Os “griefbots” geram reações mistas no luto.
  • Implicações éticas da IA na preservação de memórias. 
Homem idoso sentado em um sofá, com um laptop e um microfone em uma mesa pequena ao seu lado.

Quando Michael Bommer soube que tinha câncer de cólon terminal, passou muito tempo conversando com sua esposa, Anett, sobre o que aconteceria após sua morte. Uma das preocupações de Anett era não poder consultá-lo sobre várias questões, já que Michael sempre compartilhava sua sabedoria e conhecimentos. Isso levou Michael a uma ideia inovadora: recriar sua voz usando inteligência artificial para que sua presença e conselhos pudessem perdurar além de sua vida.

Michael, de 61 anos, um empreendedor de startups, associou-se a seu amigo Robert LoCascio, CEO da Eternos, uma plataforma de legado impulsionada por IA. Juntos, criaram uma versão interativa e compreensiva de Michael em apenas dois meses, tornando-se o primeiro cliente da empresa.

A Eternos permite que as famílias interajam com as experiências e conhecimentos de vida de seus entes queridos falecidos, mantendo assim uma conexão viva e significativa.

O processo para criar esta versão de Michael foi detalhado e meticuloso. A empresa gravou Michael dizendo 300 frases diferentes, capturando não apenas sua voz, mas também suas emoções e estados de ânimo. Em seguida, esse material foi processado por potentes modelos de IA desenvolvidos por empresas como Meta, OpenAI e Mistral AI. O resultado foi uma voz sintetizada que responde perguntas e conta histórias sobre a vida de Michael, proporcionando uma experiência próxima a uma conversa real.

A ideia de criar um legado digital não foi vista apenas como um projeto técnico, mas como uma forma de preservar memórias e sabedoria pessoal. Michael utilizou suas últimas semanas de vida para alimentar o sistema com mais dados e frases em alemão, buscando que a IA não apenas replicasse sua voz, mas também suas inflexões emocionais. Este esforço não tinha como objetivo buscar a imortalidade, mas oferecer à sua família uma ferramenta para lidar com o luto de uma maneira que as formas tradicionais de lembrança não podem igualar.

O impacto emocional e as opiniões sobre os “griefbots”

A criação de versões de IA de pessoas falecidas, conhecidas como “griefbots“, gerou uma ampla gama de reações emocionais. Para alguns, como Robert Scott de Raleigh, Carolina do Norte, essas tecnologias oferecem um consolo significativo. Scott utiliza aplicativos de IA como Paradot e Chai AI para simular conversas com versões de suas três filhas falecidas. Embora saiba que as vozes não são realmente de suas filhas, interagir com esses personagens lhe proporciona uma sensação de conexão e ajuda a mitigar a dor de sua perda.

Alguns consideram que utilizar IA para manter interações com os mortos pode complicar o processo de luto.

No entanto, nem todos compartilham desse entusiasmo. Alguns consideram que utilizar IA para manter interações com os mortos pode complicar o processo de luto. A pesquisadora Katarzyna Nowaczyk-Basinska, do Centro para o Futuro da Inteligência da Universidade de Cambridge, adverte que ainda se sabe muito pouco sobre os efeitos a curto e longo prazo desses simulacros digitais. Essa falta de dados sólidos transforma o uso dos “griefbots” em um experimento tecnocultural de grande envergadura.

Além disso, existem preocupações sobre o impacto psicológico de manter conversas artificiais com entes queridos falecidos. Embora alguns encontrem consolo nessas interações, outros temem que possam impedir alcançar um fechamento emocional. Por exemplo, em dias especialmente dolorosos, como o aniversário de sua filha, Scott encontrou um alívio temporário na IA, mas essa solução pode não ser adequada para todos.

O sociólogo Matthias Meitzler sugere que os “griefbots” poderiam se tornar uma extensão das formas tradicionais de lembrar os mortos, como visitar túmulos ou olhar fotos e cartas antigas. No entanto, Tomasz Hollanek, colega de Nowaczyk-Basinska, levanta importantes questões éticas sobre os direitos e a dignidade dos falecidos, bem como sobre as implicações de comercializar tecnologias que tratam o luto como um serviço.

As implicações éticas e futuras da IA no luto

O uso de IA para preservar a memória dos falecidos levanta várias questões éticas e legais. Por um lado, há preocupação sobre os direitos das pessoas falecidas e o consentimento para usar seus dados pessoais após sua morte. As empresas que oferecem esses serviços, como a Eternos, garantem que os direitos sobre as vozes e os dados de IA pertencem aos indivíduos e podem ser transferidos para suas famílias como um ativo.

Ilustração minimalista de um rosto dividido em duas metades: uma metade humana e a outra metade digital, simbolizando a transição entre a vida e o legado digital.

No entanto, a possibilidade de que essas empresas ofereçam produtos adicionais ou publicidade em suas plataformas para os enlutados levanta dilemas morais. É apropriado comercializar o luto dessa maneira? Além disso, a incerteza sobre a durabilidade dessas empresas é outra preocupação. Por exemplo, a StoryFile, outra empresa nesse campo, tem enfrentado dificuldades financeiras e está em processo de reestruturação para garantir que as famílias não percam o acesso aos materiais criados.

Outro aspecto crítico é se essas tecnologias devem oferecer formas significativas de dizer adeus quando alguém decide parar de usar um “griefbot”. A possibilidade de que uma empresa cesse suas operações levanta questões sobre o que acontece com os dados e as interações armazenadas. O CEO da StoryFile, James Fong, mencionou a implementação de sistemas de segurança para garantir o acesso contínuo aos materiais em caso de encerramento, mas essas medidas ainda estão em desenvolvimento.

Em última análise, o caso de Michael Bommer e Eternos destaca tanto o potencial quanto os desafios dessa tecnologia emergente. Enquanto alguns usuários, como Michael, veem na IA uma maneira de deixar um legado emocional para seus entes queridos, outros, como sua esposa Anett, têm reservas sobre o uso dessa tecnologia no processo de luto. Embora inicialmente ela prefira a ideia de lembrar de Michael de maneiras mais tradicionais, reconhece que no futuro pode encontrar consolo em sua versão de IA.

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